Acabamos os trabalhos na unidade de Maceió e descemos para o Rio de Janeiro, onde deveríamos passar quinze dias organizando a contabilidade daquela unidade. O Rio tem uma magia que contagia qualquer um logo de cara. Tudo é muito lindo, até os morros com suas favelas, é algo que encanta apesar de todos os problemas que hoje dizem, existe por lá. Não posso dizer que haja problemas além do descaso dos governantes. O motorista que veio me buscar no aeroporto morava em uma dessas favelas. Como já era sábado, inicio da noite, disse que eu poderia aproveitar para comer uma “carninha no espeto” na sua laje. Fomos pra sua casa. Depois do churrasco, desceríamos para pegar o carro e nos levar para o hotel onde outras vezes nos hospedamos e já tinha feito a reserva. Quem já esteve em uma dessas favelas, onde o povo é hospitaleiro e alegre, participando de um churrasco numa laje, sabe que o Rio de Janeiro é muito mais vibrante ao som de um sonoro cavaquinho. E que mulheres. Pode ser até que a cidade maravilhosa não reúna, de fato, as mulheres mais lindas do Brasil, mas uma coisa é certa, são as mais alegres e divertidas. Não há preconceito e todos são bem recebidos. Em poucas horas estava rodeado de amigos e de lindas mulatas. Talvez fosse meia noite ou um pouco mais, arranjaram um sofá para que eu passasse a noite no barraco do nosso anfitrião, mas agradeci e disse que precisava ir embora. Tínhamos deixado o carro da firma num posto logo na entrada da favela, e eu precisava voltar para o hotel. Dispensei o motorista e pedi as chaves do carro. Meus novos amigos estavam preocupados e me deram várias recomendações, dentre as quais para tomar cuidado com as garotas da beira da praia. Sabia que era piada. Pra começar qual garota estaria na madrugada na beira de uma praia? O motorista insistiu para nos levar até o hotel, mas como já conhecíamos o caminho, o dispensamos, dizendo que faríamos o trajeto sem problemas. Tão logo pegamos o carro, um Ford Landau oito cilindros, impecável e seguimos pela Avenida Brasil, ao passar pela frente de um barzinho, me chamou atenção o movimento de pessoas e carros estacionados. Meio que embalado pelas tantas caipirinhas, decidimos terminar a noite naquele barzinho aparentemente divertido. Paramos e entramos. Sentamos despretensiosamente ao lado do balcão e pedimos mais uma com limão e gelo pra encerrar a noite. Não demorou muito e o garçom nos trouxe uma taça que devia ter meio litro de pinga, limão, açúcar e gelo. - Olá! Posso pedir uma também? Por pouco não nos engasgamos ao ver aquela mulata de um metro e setenta, seios volumosos, cabelos escorridos até a cintura e uma anca de fazer qualquer um sentir calafrios. - Claro! Garçom serve uma aqui pra moça! Conversamos cerca de duas horas, e nem vimos a tempo passar. Ela me falou de seu trabalho numa rede de televisão e eu do meu. Depois discutimos musica, politica, economia e por fim o inevitável. Fomos passear na praia, descalços. A brisa do mar soprava chapiscando gotículas em nossos corpos. Corremos, dançamos e finalmente fomos procurar um hotel confortável onde pudéssemos passar o resto da noite. Por sorte já era madrugada de domingo e eu só teria de trabalhar na segunda feira. No trajeto entre o barzinho e o hotel ela nos pediu para desviar a rota e entrar por uma rua estreita e escura, depois de alguns metros dobramos uma esquina e lá na frente outra. Já não sabíamos mais onde estávamos caso precisasse voltar sozinho. Entramos por uma ruela ainda mais escura e ela nos pediu para parar em frente a uma casa cuja porta dava para a calçada. Ela desceu arrumando a saia e bateu na porta. Por uma pequena janelinha uma pessoa a atendeu. Logo em seguida a porta se abriu de onde saíram dois leões de chácara, mal encarados e munidos de duas metralhadoras. Ficou um de cada lado da porta. Uma terceira pessoa, portando uma pistola nove milímetros, se aproximou do carro e o examinou interessadamente. - Bonito carrão. O magnata tá com a piranha? E sorriu mostrando inúmeros dentes de ouro enquanto olhava para nós e apontava o polegar para a mulata. - Sim! Algum problema? - Problema nenhum mano, fica frio que o chefe já vem! Ela andava de um lado para o outro como quem está impaciente. Novamente a porta se abre e vem lá de dentro da casa, um sujeito de um metro e sessenta, sem pescoço, barrigudo, de short, chinelo e sem camisa, com pelo menos dois quilos de correntes de ouro puro penduradas no pescoço e outro tanto de pulseiras nos braços. Pelos brilhos das pedras, deviam ser diamantes os anéis que trazia nos dedos. Ele a agarrou pelo pescoço e a prensou contra a parede. Fiz menção de sair do carro quando o terceiro sujeito empurrou a porta e disse salivando na nossa cara – Tu é gringo, não te mete senão sobra pra ti! - Tu tá ferrada malandra, tu vem aqui a essa hora trazendo esse otário... Tu que o que? Ela então tremendo, abriu a bolsa e pegou um rolo de dinheiro e deu para o sujeito que a soltou e contou o dinheiro. Depois o esfregou em seu nariz como quem diz que aquilo era pouco. Depois a empurrou em nossa direção. Nessas alturas dos acontecimentos nada mais havia por ser feito a não ser esperar pelo desenrolar dos fatos. Arrependido estava, mas a cagada estava arranjada, só faltava esperar pelo final e torcer para que tudo se resolvesse da melhor maneira possível. Ela chegou no carro e nos pediu dinheiro. Perguntei quanto e ela disse “mil pratas”. Não tínhamos as mil pratas na carteira, disse que só podia arrumar quinhentas, então ela voltou e conversou com o cara que balançava a cabeça em sinal de desaprovação. Mais uma vez tentamos abrir a porta do carro pra sair e o cara do lado a empurrou e nos persuadiu a ficarmos ali mesmo até que o chefe nos desse permissão pra ir até ele. - Mas e o dinheiro que você deu a êle? – Perguntei. - Disse que aquilo era até a meia noite, ele agora quer mais! Preciso das mil pratas. Dei quinhentos na mão dela, mas o cara não aceitou. A um sinal seu os dois sujeitos munidos de metralhadoras se acercaram do carro. Naquele momento pensei que ver o dia amanhecer só por um milagre, então com as mãos frias e suando como um porco, rezei à São Sebastião do Rio de Janeiros e a todos os Santos. Quando ela se aproximou novamente para insistir nas outras quinhentas pratas, perguntei o que estava acontecendo. Ela respondeu que não estava acontecendo nada, que era só uma dívida que precisava pagar antes que amanhecesse o dia. Contrariando as ordens de ficar no carro, desci pela outra porta e fomos para o lado do sujeito que chamavam de chefe, com as mãos erguidas em visível atitude de quem está desarmado e só pretende conversar. - Me escuta cara... Não sei o que está acontecendo...! - Se tu não sabe o que tá acontecendo então não te mete!... Vai sobrar pra tu, to avisando! - Se o problema é só o dinheiro, posso arrumar... Paramos de andar assim que os dois seguranças apontaram suas metralhadoras em nossa direção, e ficamos esperando pela reação do sujeito mal encarado. - Se o gringo acha que pode arrumar a grana... Tu tem até antes do sol nascer pra tá aqui com o dinheiro, senão ela vai ter que morrer! Tráfico meu irmão, se não pagar morre...! - Eu sei, eu sei... Me deixa eu ir até um caixa eletrônico, tiro mais quinhentas pratas e você vai ter seu dinheiro! - Nó vai contigo, a piranha fica... Se tu não aparecer aqui em quarenta minutos, ela tem de morrer pra servir de exemplo... O prazo acaba quando o sol nascer mano, ai com grana ou sem grana ela tá ferrada, meu... Nó sentou-se no banco do passageiro, arma na mão e saímos da ruela o mais rápido que pudemos. No primeiro caixa eletrônico paramos e descemos, mas o limite era só de trezentos reais. O tempo corria contra o relógio. O segundo caixa estava danificado, o terceiro com a porta emperrada e só no quarto conseguimos completar as quinhentas pratas. Quando retornamos pra boca, o vermelho do alvorecer já começava a pintar a orla, mas o sol ainda estava encoberto na linha do horizonte. Pra todos efeitos o dia não havia amanhecido. Paramos o carro em frente da casa, descemos e não havia ninguém do lado de fora. Batemos na porta e um dos seguranças veio abrir. Depois de sermos examinados, entramos e jogamos o pacote de dinheiro sobre a mesa. O sujeito mal encarado pegou o dinheiro e o contou nota por nota, sem pressa. A mulata estava sentada numa cadeira ao lado, com os olhos perdidos no espaço, braços caídos, com o vestido rasgado e a calcinha nos tornozelos. Deviam tê-la dopado com uma boa dose de cocaína. Depois um deles ou todos eles fizeram sexo com ela. Aquela mulata bonita, de aparência fina e delicada, estava como se fosse um farrapo humano. Quando ele terminou de contar o dinheiro o entregou a um dos seguranças que foi leva-lo a alguém que não nos interessava saber quem era. Só precisávamos sair dali o quanto antes possível. Nó, foi à nossa frente de moto, e nos levou até a Av. Brasil. A moça foi praticamente desfalecida no banco de trás do carro. O sol já tingia de rubro a orla de Copacabana quando paramos no primeiro hospital que havia e a deixamos sob os cuidados médicos, juntamente com um cheque caução de duas mil pratas. O enfermeiro que nos atendeu, levando-a numa maca para dentro, quando abriu a porta do carro e a viu visivelmente sob efeito de droga, sorriu e disse com visível ironia: - Que noitada “hein” doutor?