MATERIAL NECESSÁRIO: Maca; lençol; Roupas de médicos; desfibrilador; maleta de maquiagem; dois baldes; sangue artificial; mangueira cristal; celular; roupas pretas para o papa-defunto; urna funerária; indumentária para velório; relógio enorme; colam branco para o homem-relógio; pênis de borracha; grande canivete; roupa de padre; livro de capa rocha para o padre; roupas pretas e véu preto para a família enlutada; terno para o advogado; bandeja com garrafa de café; bengalas; cadeira de rodas; bolsa de mulher; frasco com comprimidos; um boneco, em tamanho natural para representar o morto; Pasta 007; MP-3 ou equivalente; cartões de visita; cadeira e outros acessórios que o cenário exigir. PRÓLOGO Entra o homem-relógio trazendo consigo um enorme relógio de aproximadamente um metro de diâmetro com enormes ponteiros e números pretos. Coloca o relógio no ponto central da parede de fundo do palco a uma altura capaz de ser visto acima das cabeças dos atores. Do lado esquerdo do palco está uma banqueta (do tipo barzinho) com mais ou menos 70 cm. de altura, preferencialmente na mesma côr de fundo. Começa simultaneamente a ação o som de fundo com o TIC TAC do relógio. Após ter colocado o relógio em seu devido lugar, o homem-relógio senta-se na banqueta a ali fica estático por alguns segundos admirando o relógio, quando é sobressaltado pela sirene de uma ambulância. O homem-relógio apressa-se a mover os ponteiros do relógio em seguida sai de cena levando consigo a banqueta. O som da sirene é substituído pelo som de portas e maca deslizando por corredores e finalmente entra em cena a maca com algumas enfermeiras e uma pessoa do sexo masculino aparentemente inconsciente. Logo em seguida entra o médico ajeitando a mascara...
Enfermeira: - Doutor, o coração dele está parecendo uma metralhadora... a pressão elevadíssima... a ficha médica indica que ele é diabético e torce pro Palmeiras (ou qualquer outro time que estiver em baixa na data da apresentação).
Médico: - Preparem o desfibrilador... vamos lá, afastem-se... (choque e o defunto pula) aumente para 500... vamos lá, se afastem... (choque e o defunto pula)
Enfermeira: - Não ta resolvendo! Médico: - Adrenalina! Dez CC de adrenalina direto no coração... cadê o balão de oxigênio... Droga! Não temos balão de oxigênio? Que mais ta faltando nessa merda? Cadê o dinheiro da saúde? Cadê o oxigênio... Dona Mirtes... faça respiração boca a boca...
Enfermeira: - Ta bom que vou pôr minha boca nisso aí... nem morta!
Médico: - Use o tubo... use o tubo Dona Mirtes... Enfermeira coloca o tubo na boca do paciente. Enche os pulmões e assopra... o médico dá um murro no peito do paciente e pressiona com força contando. Médico: 1001, 1002, 1003, 1004, 1005... De novo! (Desiste) Droga! O médico desiste. Arranca a mascara e a touca, enxuga o suor da face...
Enfermeira: - Perdemos ele, né doutor?
Médico: - Vou informar a família. (sai). Quando cobrem o cadáver percebem que está com o pênis ereto formando uma visível protuberância no lençol.
Enfermeira: - Nunca vi isso! Enfermeiro: - Vai ver que ficou assim quando o médico mandou você fazer respiração boca a boca! Saem deixando a maca com o cadáver coberto. Ouve-se o TICA TAC de fundo. O homem-relógio entra, observa o cadáver, depois pára diante do relógio e o observa por alguns segundos e em seguida adianta os ponteiros cerca de meia hora. Sai.
Entra a família do morto. A viúva, três filhas e um filho adolescente. Há choro e desespero. Enquanto isso, entra o homem-relógio sem ser visto pelos demais e acrescenta mais cinco minutos à hora marcada no relógio e sai. Nesse momento em que o homem-relógio saí de cena, a luz torna-se monocromática. A viúva se dirige para a ribalta. Canhão de Luz clara incide sobre a viúva enquanto os demais personagens permanecem juntos ao falecido. Viúva fala ao público:
Viúva - O infeliz ali é o meus marido... quer dizer, foi! E foi tarde... acham que eu o amava? No inicio talvez, era jovem, charmoso, elegante... trazia-me flores no meu aniversário... íamos jantar em restaurantes granfinos... dançávamos... um dia... nem me lembro quando... ali estava ele, velho... decrépto... ausente... (assumindo um tom mais agressivo, bate com a palma da mão sobre as nádegas) ...tenho até calo na bunda... quando íamos pra cama era bunda com bunda... e roncava... Deus, como o miserável roncava... (abrindo a bolsa para retirar um frasco de comprimidos) ...mas roncava tanto, que pra dormir eu me entupia de calmantes... (joga os comprimidos fora) ...mas agora... agora estou livre do ronco... livre dessa joça de calmante... acabou! Agora acabou essa minha solidão a dois... que Deus o tenha, esse desgraçado! Ao terminar a fala imediatamente as luzes voltam ao normal e a viúva se mistura aos filhos que prosseguem com as lamentações.
Enfermeira:- (entra e se dirige ao pé do ouvido da viúva- fala alguma coisa inaudível para os demais – sai).
Viúva: - Vamos meus filhos... é preciso sair, eles vão preparar o papai para pôr no caixão. Todos saem consternados. A luz torna-se monocromática. O Homem-relógio entra. Observa o cadáver contornando a maca, depois vai ao relógio, pára e o observa por alguns segundos, acrescenta mais cinco minutos e sai. A luz se apaga totalmente. É o fim do prólogo. Quando retornar para o primeiro ato, o relógio deverá estar cerca de meia hora adiantado em relação a hora em que terminou o prólogo.
PRIMEIRO ATO
A luz volta ao normal. O cadáver está na maca coberto com um lençol. O pênis visivelmente ereto pode ser facilmente visto. (O ator que fará o papel de morto, está deitado atrás do boneco, vestindo um camisolão branco, com o rosto, mãos e pés pintados de branco). Levanta-se, estica os braços como que se estivesse acordando naquele momento. Olha para o boneco, levanta o lençol do rosto do boneco e se assusta com o que vê. Não pode acreditar que seja ele olhando para o seu próprio cadáver. Desce da maca, levanta o lençol para ver o pênis e faz um gesto de felicidade, mostrando com o punho cerrado e o braço rígido o membro ereto. Isso o deixa contente, com ar de satisfação. Quando ouve-se as vozes da equipe de papa-defuntos se aproximando. Ator vai para um lado do palco e aguarda. Entra a equipe de papa-defuntos. O chefe vestido de preto. O sanguessuga, encarregado de drenar o cadáver com seu equipamento. A maquiadora, encarregada de dar um ar menos cadavérico ao cadáver com a sua maleta de maquiagem. Maquiadora: (faz um estudo prévio de como irá trabalhar e em seguida passa a fazer o seu trabalho). Sanguessuga: Instala seu equipamento de drenar e começa a drenar o sangue do cadáver.
Chefe da Equipe: (ao celular): - Cláudio... o cara parece que deixou a família com boa grana... não tenha dó... mete a faca nesses miseráveis... comece oferecendo aquela droga de urna que está encalhada desde o ano passado... isso... aquela xiquetosa, toda ornamentada... Se endurecerem diz que fará um decontinho... cinco, dez... no máximo dez por cento...! A viúva é mais difícil... eu conheço a velha... aquilo lá só falta comer na janta a merda que sai do almoço... os filhos... concentre-se nos filhos... convença os filhos que eles se encarregam de dobrar a mãe...! Estão chegando? Ótimo... faça aquela cara de compaixão... fale pouco... e... tome a grana dos otários.
Chefe: - (se aproxima do cadáver, examina e fala para a maquiadora) Filha? O que é isso! Esse cara ta com cara de morto... vamos, põem mais cor neste rosto... ele tem de ficar assim (faz cara de riso disfarçado)... feliz... como se a morte fosse algo bom...
Chefe: (Dirigindo-se ao Sanguessuga) - É melhor colar as pálpebras... não há nada mais horrível do que um “presuntão” com os olhos abertos... (Voltando-se para a maquiadora) - Ah! Agora sim... ficou bem melhor. (Olha para o pênis do defunto como se o tivesse visto naquele momento) – Mas o que é isto? (aponta para o pênis).
Sangue Suga – Sei lá! Isso só acontece com quem morre enforcado. Maquiadora: - O cara devia ser mesmo um tarado, até depois de morto...
Chefe: - Priapismo!
Sangue Suga: - Como?
Chefe: - Priapismo! É quando o sangue enche os vasos cavernosos do pênis... aí fica assim... com o pinto duro...
Morto: (que até então só observava) – Nem eu sei como isso aconteceu. Ó, fazia tempo que não... (repete o gesto de ereção com o braço erguido e o punho fechado).
Sangue Suga: - O que vamos fazer? Não dá pra deixar o cara desse jeito no caixão...
Chefe: - Ora, corta essa joça!
Morto:¬ (enquanto o sanguessuga, com um enorme canivete, corta o pênis, o morto faz gesto de que está sentido em si mesmo - fala ao público) – Desgraçado... olha só o que esse desgraçado fez...
Sangue Suga: – Aqui está o danado (mostra o pênis decepado, em seguida o joga no balde vazio).
Maquiadora: - (prontamente recolhe o pênis) – O que é isso? Não se pode jogar assim uma preciosidade dessas, fora... (acaricia o pênis com sensualidade)
Chefe: - Ta excitada? Pode usar, mas depois coloca tudo no caixão... tudo o que é morto deve ser enterrado com o morto.
Sanguessuga: - Se quiser tenho algo bem melhor!
Maquiadora: (Joga solenemente o pênis sobre o finado no caixão enquanto fala ao sanguessuga apontando na direção pubiana deste) – Isso aí? Isso aí nem conta... (faz gesto mostrando o quanto é pequeno) – Olhe só!
Chefe: - Convenhamos, o cara era um jumento... (faz gesto mostrando o quanto é grande) – Confesso que fico com inveja!
Sanguessuga: - Pode ser grande, mas ta morto... o meu pelo menos... (dá uma dançadinha e sorri sarcasticamente como que concluindo para dizer: “ta vivo”)
Morto: (enquanto sanguessuga dança, fala para o publico) - Olha quem fala... Seu apelido na escola era cenourinha... As luzes começam a ser apagadas é o fim do primeiro ato. A equipe de Papasdefunto deixa o palco. O homem-relógio entra para mudar as horas. Escuro total. Enquanto as luzes se apagam o relógio deverá ser adiantado cerca de meia hora. Quando as luzes voltarem, o cadáver (boneco) deverá estar posto numa urna funerária (pode-se usar uma urna completa sem o fundo para encaixar sobre o boneco. O personagem do morto deverá estar sentado em uma das cadeiras ao lado do caixão). A família, do morto, já deverá estar em cena ao lado do caixão e a viúva sentada em uma cadeira do lado oposto. Para melhor ilustrar a cena, deve-se ouvir choro e soluços segundos antes das luzes acenderem.
SEGUNDO ATO
Família do morto: (Há desespero e dor. A viúva está debruçada sobre o caixão. A filha se aproxima para retira-la quando então a viúva se dá conta do pênis que a enfermeira esqueceu sobre o morto, apanha, olha rapidamente e, com expressão de nojo, joga-o no chão). – Ai! Que nojento...
Filha do morto: (Acode imediatamente a recolher o membro) – Será que é do papai?
Viúva: - Duro assim? Duvido! (estalando os dedos) -O dele já estava morto muito antes dele morrer.
A outra filha: (que acaba de examinar o cadáver na região pubiana) – É o dele sim... alguém quis sacanear o papai!
Filho: (num gesto de dor com as mãos sobre a própria região pubiana) – Aaarggh! Entra o primeiro casal.
Mulher de beleza estonteante, marido magro e submisso.Todos se recompõem. A filha procura esconder o membro do pai. A mulher se dirige ‘a viúva para cumprimenta-la. O homem olha de relance para o morto e logo cumprimenta a viúva. Segue estendendo os cumprimentos aos filhos.
Morto: (para o publico) – Essa aí é uma galinha. Bota um chifre danado no marido, agora t´ aí tal e qual Madalena arrependida. E o marido? O marido não fala nada porque tem rabo preso... Não dá pra saber qual dos dois é pior...Ele um corno manso, ela (com sotaque italiano) “una piu bela putana”...
Filha: (apressa-se, sorrateira, em recolocar o pênis em uma da laterais do caixão).
Mulher: (ao aproximar-se do caixão, após enxugar as lágrimas e observar por um instante consternada, encontra o pênis, rapidamente, apanha, observa-o e deixa cair de volta ao caixão enquanto cambaleia para desmaiar) - Aaaaaaai!
O marido: (Que nada percebeu acerca do pênis, apressa-se em ampara-la antes que caia) Mulher: (desmaia) Marido: - Florisbela, OH! Florisbela... querida... Oh! Ela é tão sensível...
Filha (apressa-se em colocar-se entre o caixão e o casal, para definitivamente esconder o pênis enquanto o morto fala ao publico). Morto: - Sensível? A vadia vive pegando o de todo mundo...(assumindo um ar de sarcasmo) - é que, a vadia aí, só agora descobriu o que perdeu...
Filha: (Dirigindo-se a irmã fala ao “ pé do ouvido”) – Mamãe sempre achou que a sirigaita aí fosse amante do papai... você viu?... quando ela viu o ... você sabe... (faz um gesto mostrando o quanto é grande) do papai... teve um ataque!
Irmã: -Você acha que ela e o papai...? Filha: - Eu não acho nada, tenho é certeza! Morto: (Dirigindo-se ‘as filhas) - Filhas? Vocês não estão pensando que eu, e essa... Saibam que eu sempre respeitei a sua mãe... Ta certo... mas só em pensamento...
Filha: - Você se lembra quando o papai trazia flores pra mamãe? Irmã: - Lembro. Mas o que tem isso? Filha: - O que tem isso? Ora, minha irmã... os homens quando agradam demais as esposas é porque têm culpa no cartório... (dirigindo-se ao publico) – olha pra eles... (pergunta aos homens da prateia) – não é mesmo? Quando vocês traem suas mulheres, vocês não ficam mais amorosos? Mais cavalheiro? (virando-se para a irmã) - é sentimento de culpa, minha irmã...
Irmã: - Não é bom ficarmos de papo... vamos ajudar a madame... (seguem para auxiliar a dona Mirtes que já se recobra do desmaio, uma das filhas apanha a cadeira em que o morto estivera sentado e oferece para a mulher).
Morto: (para o publico) – É como dizem, o periquito come o milho e o papagaio cai do galho... o único que ainda não transou com a sirigaita aí, fui eu... não! O marido fiel aqui nunca mijou fora do pinico... sexo depois do casamento... só uma vez por mês e olha lá... *(vide opções) Entra o advogado. Morto: - Ah! Aí vem o Dr, Marcos... Quero ver a cara dele quando souber que fiz doação em vida... Ah! Ah! Esse aí é desses advogados que só freqüenta velório pra distribuir cartão... O advogado: (Advogado à viúva) – A senhora me desculpe... mal soube da triste noticia, deixei tudo para vir dar adeus ao seu marido... um homem muito bom... meus pêsames! (abraça a viúva). Morto: - Homem bom? Esse cara nunca olhou pra minha cara... um crápula... (aproximando-se da viúva e do advogado) – No mínimo ta pensando em tirar uma casquinha na minha mulher... laaarga hoo! (É bom lembrar que o morto não pode ser visto nem ouvido) Advogado: (Afastando-se da viúva, retira um cartão do bolso e lhe entrega dizendo) – Se precisar de mim, saiba que será um prazer enorme poder fazer alguma coisa... em memória do... (pausa porque não se lembra do nome e conclui) do, FALECIDO! Morto: - Desgraçado! Viram só, nem sabe o meu nome... Que mente brilhante... leu o meu nome lá na plaqueta da funerária e já esqueceu... (lhe chama a atenção mais um personagem que entra – é o político) ...e essa agora...? (caminha até a borda do palco em direção ao público) Entra o político. Político: (Dirige-se a viúva enquanto o advogado se afasta para cumprimentar as filhas e distribuir cartões).- Que grande perda! Não me conformo... logo agora que seu marido me prometeu seu apoio... Minha senhora, saiba que seu marido representava mais que um amigo para mim... Morto: (falando com desdém) - Mais que um amigo... (com raiva) ...representava dinheiro pra sua campanha, safado... Político: - ...seu falecido marido foi um exemplo de homem a ser seguido... honesto e incorruptível... Morto: - (dirigindo-se ao político) Bem ao contrário de você... desonesto e corrupto! (Dirigindo-se ao público) Mente e ainda acredita na própria mentira! (apontando para o político) Isso ai é um mal exemplo para a juventude... Filha: (nesse momento se aproxima da mãe para interromper a conversa com o político – fala alguma coisa no ouvido da mãe. Saem de cena. O político, ignorando o finado, aproxima-se do primeiro casal, abraçados em um canto, e os cumprimenta iniciando uma conversa em off, apenas por meio de gestos). Serviçal: (Enquanto saem a viúva e a filha, entra trazendo uma bandeja com uma garrafa de café e bolachas). Advogado: (Intercepta a serviçal para comer algumas bolachas e colocar outras no bolso). Morto: - É bom que encha a “pandurra de bolachas”, porque daqui é a única coisa que vai levar... Miserável, morto de fome... Advogado: (em seguida, após fazer uma gracinha para com a serviçal, vai até o casal que conversa com o político, e logo distribui os seus cartões). Serviçal: (Aproxima-se da filha que está do lado do caixão e lhe oferece café. A filha recusa com um gesto. A serviçal sai, entra a viúva, a outra filha e o padre. Quando vêem o padre, todos se voltam para ele com certo respeito). Viúva: - Padre, que bom que veio... como o senhor sabe, meu marido não era lá muito de igreja, mas sempre foi um devoto fiel... o senhor lembra como ele foi generoso quando da reforma da igreja.... é claro que , pro traz, ele teve o meu incentivo... Padre: (O padre sorri e gesticulada encabulado. Aproxima-se do caixão e faz o sinal da cruz a maneira dos padres – sobre o cadáver – os presentes repetem o sinal – para dentro, à maneira usual. O político se perde por não estar atento e não saber como se faz o sinal da cruz) Morto: (dirigindo-se para o publico) - Só me faltava essa, eu... que nunca fui a uma missa - exceto quando casei (em tonalidade jocosa) - recebendo a visita de um padre? Bichinha: (Entra toda tresloucada) - Gente! Ai! To perdendo alguma coisa? Ai, nossa... será que entrei em velório errado? Alguém pode me esclarecer... aqui é o velório do... do... Ai! Meu Santo Onofre... Morto: (para o público) – NÃO É O QUE VOCÊS ESTÃO PENSANDO! Bichinha: - ... do pai do Samir! Morto: - Samir? Meu filho? (dirige-se para os presentes que não podem vê-lo nem ouvi-lo) - Alguém pode me dizer o que significa isso tudo...? Irmã: - Samir! Samirsinhooo! (que pouco antes da bichinha entrar saiu de cena – irmã assumindo um tão de voz mais autoritário) – Samir, Alguém quer vê-lo! Filho: (entra e logo é reconhecido pela bichinha que vai ao seu encontro – o morto nada fala mas se contorce de indignação – todos aparentemente estão indignados e surpresos, olhares atônitos e sorrisos disfarçados – o padre permanece passivo. Samir está arredio, mas timidamente sorri e recebe a bichinha que o abraça). Morto: - Eu sabia... culpa minha é que não foi...! Bichinha: - Samir meu amor... que desgraça! (abraça) Morto: - desgraça digo eu... preferia ter duas filhas putas do que um filho guei! Nesse momento entra a vidente. Cumprimenta a viúva, pede benção ao padre, e cumprimenta aos demais com um aceno de cabeça. Dirige-se ao morto e fica ao seu lado. Morto: - Meu filho... meu único filho... (dirigindo a palavra a viúva) – A culpa é sua... mimou demais o menino... agora ta aí... todo enviadado! Vidente: (ao morto) - Acalme-se meu amigo... ter um filho guei não é o fim do mundo... (olhando para o público e num gesto de esticar o braço para cobrir toda a platéia) – Aqui deve ter uma porção de gueis... a maioria está enrustida... Acha que prá todos eles a mãe é a culpada... é nada... nasceram assim... como diziam os romanos:o corpo é de homem, mas a mente é de mulher... pelo menos o teu filho tem a coragem de assumir isso publicamente... Morto: - Você só diz isso porque não é o seu filho... é o meu filho! (pára indignado) –Ei, você falou comigo! Eu estou morto... não estou? Vidente: - Está! Mortinho da silva... Morto: - Quer dizer que eu sou um espírito? Vidente: - Pelo menos é assim que eu entendo! Morto: - Bobagem! Nunca acreditei em espíritos... Vidente: - Que importa se você acredita ou não... as coisas não mudam só porque você é um incrédulo. Morto: - Incrédulo eu? Não, minha cara, não sou incrédulo... nunca acreditei na autoridade das igrejas,principalmente naquelas que pedem dinheiro, mas respeito e acredito em Deus... no meu Deus! Meu Deus, é grande... grande não, é imensurável... não dá prá definir... é espiritual, é divino... Vidente: - Você disse espiritual? Então acredita que Deus, é um Espírito? Morto: - Ah! Sim... Deus é um Espírito... mas acontece... Vidente: - Não acontece nada... se Deus, como você mesmo afirma, é um espírito, então o espírito existe... e ponto. Enquanto isso, Samir e a bichinha vão ao encontro de uma outra pessoa, um rapaz bem afeiçoado que acaba de entrar. Bichinha: - Samir, meu querido! Quero apresentar o meu novo namorado... não é uma graça? Irmã (dirigindo-se à outra irmã) – É o que eu falo... os melhores partidos... ou estão casados ou são gueis... Vidente: - Viu só... fique tranqüilo, seu filho não é guei...eu diria, simpatizante! Morto: - É... mas é simpatizante...prá mim é a mesma coisa! (falando para si mesmo) - Ora essa que simpatizante não é guei! Vidente: - Simpatizante é simpatizante. Ele só não discrimina quem é diferente... aceita cada um como é... Você é igualsinho a essa gente, viu só a cara dos caras quando a... a bichinha entrou... (fazendo trejeitos e imitando alguns) “ta vendo só, eu sempre desconfiei que Samir era meio estranho..”. (mais trejeitos) “Bem que eu desconfiava..”. “...por isso eu nunca deixei meu filho se envolver muito com esse menino...” Morto: - Eu não ouvi ninguém falando assim... Vidente: - Como “assim” ? Morto: (Imitando os trejeitos da vidente) “– Bem que eu desconfiava” , “ – nunca deixei meu filho...” Vidente: - (interrompe o morto) Você não ouviu, mas eu ouvi... esqueceu-se que sou vidente... posso ler as mentes desse povo todo! Até o padre deu um sorrisinho meio maroto... (ouve-se o “rosnar” de garganta do padre – a vidente enrosca seu braço no braço do morto que olha surpreso, depois afaga-lhe a mão enquanto fala ao morto) - Agora fique em silêncio que o padre vai falar. O padre: - Caríssimos irmãos... “em nome de patre, et filio et espiricto sancto..”. hoje, nosso irmão passou para a eternidade ao lado de nosso Pai, por isso rogamos: Senhor, acolhei nosso irmão... não olheis para os seus pecados... mas para tudo de bom que ele fez... Morto: (retrucando – imita o padre) – “ Senhor não olheis para os pecados...” (recompondo-se e falando com ênfase ao publico) – Ora essa! Como não olhar para os meus pecados... as melhores coisas da minha vida foram os pecados que cometi...Se pudesse voltar a vida pecaria tudo de novo!... tudo não, pecaria muito mais... Vidente: (dedo sobre os lábios pedindo silêncio) - Shiiii! Morto: - Shiiii! Coisa nenhuma… vou lá acabar com essa palhaçada. Não preciso de ninguém entre mim e Deus... deixa que eu me entendo com Ele... Morto fica ao lado do padre. Padre: - Irmãos e irmãs, vamos rezar pelo nosso amado irmão que se foi... Morto: -Isso rezem irmãos! Prá mim isso não significa nada, mas prá vocês... quem sabe isso os deixará com a consciência mais tranqüila... cambada de hipócritas... Nisso irrompe pelo velório o corretor de seguro de pasta na mão – está desesperado. Corretor: - Filho da puta, desgraçado, tinha que morrer... (joga-se sobre o caixão e esmurra o finado. Algumas pessoas o retiram e ele se joga de joelhos aos berros) Esse desgraçado não podia morrer... Morto (que nesse momento volta para a frente do palco) – Não é o que vocês estão pensando... eu não sou guei! Esse desgraçado aí é o meu corretor de seguros... Corretor: - Padre, me perdoe... me perdoe padre... Padre: (tenta acalmar o corretor) -Acalme-se meu filho... a dor de um falecimento é grande... mas passa filho... acredite! Corretor:- Que dor que nada padre... esse desgraçado fez um seguro comigo antes de ontem e eu não repassei o prêmio para a seguradora... pelo contrário... precisei do dinheiro... pra vagabunda da minha ex-mulher... agora... como vou indenizar o valor segurado da apólice pra viúva? Viúva: (Que tudo ouve indignada) – Quer dizer que meu marido fez um seguro e você não repassou o dinheiro pra seguradora? As filhas, indignadas, se aproximam enquanto o corretor responde Corretor: - Sim, minha senhora... não há seguro... mas eu devolvo o dinheiro do prêmio... (rei]tira do bolso algumas notas de dinheiro amassadas e oferece à viúva) Viúva: - (apanha o dinheiro e o joga fora – o advogado dissimulando coloca o pé sobre o dinheiro) - Mas é um cara de pau... você me paga seu desgraçado... A viúva e as filhas começam a socar o corretor, ele sai correndo e em seguida todos saem ao seu encalço, inclusive o padre. O advogado apanha o dinheiro e é o ultimo a sair. Ficam a vidente e o morto. Padre: (enquanto sai com a trupe) – Calma meus filhos... calma... com calma tudo se resolve... O morto pretende correr atrás do corretor junto com a trupe e é interceptado pela vidente. Enquanto o morto e a vidente conversam, entra o homem-relógio e acrescenta meia hora à hora marcada. Vidente: - O que pensa que vai fazer? Morto: - Eu sabia que não devia confiar nesse desgraçado... seu eu pudesse eu matava esse filho da puta... Vidente: - Matava nada, você nem pode tocar nas coisas... Morto: - Não posso? Vidente: - Não! Entram a viúva, as filhas e os demais. A viúva fala Viúva: - Depois dessa, não adianta continuar com o velório... é melhor pra todo mundo que enterremos logo o defunto... quer dizer, o finado do meu marido.(viúva patê palma duas vezes, “ plá plá”) Entra a equipe de papadefunto trazendo a tampa da urna funerária. Fecham o caixão. Alguns dos presentes carregam o caixão seguido pelos demais. O padre vai jogando “água benta” sobre o caixão. Ficam no palco a vidente e o morto. O morto, aproxima-se de Florisbela (mulher do primeiro casal) e aproveita para passar a mão na bunda da mulher. Morto: - Gostosa! Vidente: -Que é isso? Que falta de respeito... Morto: - Uai! Você não falou que eu não podia tocar as coisas... fui experimentar... sempre senti vontade de passar a mão naquela bunda! Vidente: - Tarado. Não é atoa que morreu de pau duro. Morto: - E agora o que vai acontecer? Vidente: - Com você não sei, eu vou até o cemitério assistir ao seu enterro... Entra o homem relógio, retira o relógio da parede e o entrega para o morto e vai saindo. Morto: - Pra que isto? O que vou fazer com isto? Homem-relógio: (Vira-se para o (alma) morto e, sem palavras, apenas com gesto expressa “eu é que sei?”). Vidente: - É o seu tempo. O seu relógio. Está parado porque pra você o tempo não passa mais. Parou. Acabou. (1) Vide observação. Morto: - Quer dizer que para mim o tempo não existe mais! Vidente: - É! Morto: -Significa que tenho todo o tempo do mundo!!!. Vidente: - Não sei se se pode dizer assim... Morto: - Posso escrever as minhas memórias... Vidente: - Faça isso! Se quiser posso psicografar para você! Morto: - É isso! Vou aproveitar... já que tenho todo o tempo para escrever... escreverei as minhas memórias... Vidente: (entrega um cartão ao morto) - Aqui está o meu endereço... se precisar passa por lá... toda quarta-feira a partir das vinte horas... Morto: - só preciso de um título... Vidente: - Que tal (pensa um segundo e faz um gesto, com as mãos para mostrar, como o titulo ficará estampado magistralmente em néon ao mesmo tempo em que fala em tom afirmativo) “MEMORIAS DE UM MORTO!”. Vidente sai, Morto sorri, as luzes se pagam. FIM Observação: *Como a comédia toda se passa em um velório, a imagem de fundo (caixão, velas, flores) pode se tornar cansativa. Um caixão de defunto não é nada engraçado mesmo quando o fúnebre e cômico se misturam . Assim, nesse momento, podem entrar os “papa-defuntos” para levar o corpo que começa a vazar, retornando no final, quando todos já saíram e só resta em cena a alma do morto e a vidente. Se o palco for profundo é possível que se coloque um pano leve e semi transparente separando o caixão dos atores em cena. Com iluminação adequada pode-se criar a idéia de desfoque da imagem de fundo. (1) Ao retornar com o caixão, os papa-defuntos ficam espantados com a ausência de todos. 1.º Papa-defuntos: - Ué! Onde foi parar todo mundo? 2.º Papa-defuntos: - Eu é que sei... vai ver que foram prá outro velório... de gente mais importante! O tema permite que novos personagens sejam introduzidos, desde que não interfiram no rítimo do espetáculo. O objetivo é dar oportunidade a um grande numero de participantes com cenas e falas curtas para a maioria das personagens. A iluminação não requer grande habilidade já que não há troca de iluminação, exceto pela passagem de tempo que, em certas ocasiões, pode ser suprimida sem que o espetáculo perca seu rítimo. MERDA para todos vocês! (Reprodução livre para grupos de teatro amador)
MATERIAL NECESSÁRIO:
Maca; lençol; Roupas de médicos; desfibrilador; maleta de maquiagem; dois baldes; sangue artificial; mangueira cristal; celular; roupas pretas para o papa-defunto; urna funerária; indumentária para velório; relógio enorme; colam branco para o homem-relógio; pênis de borracha; grande canivete; roupa de padre; livro de capa rocha para o padre; roupas pretas e véu preto para a família enlutada; terno para o advogado; bandeja com garrafa de café; bengalas; cadeira de rodas; bolsa de mulher; frasco com comprimidos; um boneco, em tamanho natural para representar o morto; Pasta 007; MP-3 ou equivalente; cartões de visita; cadeira e outros acessórios que o cenário exigir.
PRÓLOGO
Entra o homem-relógio trazendo consigo um enorme relógio de aproximadamente um metro de diâmetro com enormes ponteiros e números pretos. Coloca o relógio no ponto central da parede de fundo do palco a uma altura capaz de ser visto acima das cabeças dos atores. Do lado esquerdo do palco está uma banqueta (do tipo barzinho) com mais ou menos 70 cm. de altura, preferencialmente na mesma côr de fundo. Começa simultaneamente a ação o som de fundo com o TIC TAC do relógio. Após ter colocado o relógio em seu devido lugar, o homem-relógio senta-se na banqueta a ali fica estático por alguns segundos admirando o relógio, quando é sobressaltado pela sirene de uma ambulância. O homem-relógio apressa-se a mover os ponteiros do relógio em seguida sai de cena levando consigo a banqueta. O som da sirene é substituído pelo som de portas e maca deslizando por corredores e finalmente entra em cena a maca com algumas enfermeiras e uma pessoa do sexo masculino aparentemente inconsciente. Logo em seguida entra o médico ajeitando a mascara e dando ordens...
Enfermeira: - Doutor, o coração dele está parecendo uma metralhadora... a pressão elevadíssima... a ficha médica indica que ele é diabético e torce pro Palmeiras (ou qualquer outro time que estiver em baixa na data da apresentação).
Médico: - Preparem o desfibrilador... vamos lá, afastem-se... (choque e o defunto pula) aumente para 500... vamos lá, se afastem... (choque e o defunto pula)
Enfermeira: - Não ta resolvendo!
Médico: - Adrenalina! Dez CC de adrenalina direto no coração... cadê o balão de oxigênio... Droga! Não temos balão de oxigênio? Que mais ta faltando nessa merda? Cadê o dinheiro da saúde? Cadê o oxigênio... Dona Mirtes... faça respiração boca a boca...
Enfermeira: - Ta bom que vou pôr minha boca nisso aí... nem morta!
Médico: - Use o tubo... use o tubo Dona Mirtes...
Enfermeira coloca o tubo na boca do paciente. Enche os pulmões e assopra... o médico dá um murro no peito do paciente e pressiona com força contando.
Médico: 1001, 1002, 1003, 1004, 1005... De novo! (Desiste) Droga!
O médico desiste. Arranca a mascara e a touca, enxuga o suor da face...
Enfermeira: - Perdemos ele, né doutor?
Médico: - Vou informar a família. (sai).
Quando cobrem o cadáver percebem que está com o pênis ereto formando uma visível protuberância no lençol.
Enfermeira: - Nunca vi isso!
Enfermeiro: - Vai ver que ficou assim quando o médico mandou você fazer respiração boca a boca!
Saem deixando a maca com o cadáver coberto. Ouve-se o TICA TAC de fundo. O homem-relógio entra, observa o cadáver, depois pára diante do relógio e o observa por alguns segundos e em seguida adianta os ponteiros cerca de meia hora. Sai.
Entra a família do morto. A viúva, três filhas e um filho adolescente. Há choro e desespero.
Enquanto isso, entra o homem-relógio sem ser visto pelos demais e acrescenta mais cinco minutos à hora marcada no relógio. Sai
Nesse momento em que o homem-relógio saí de cena, a luz torna-se monocromática. A viúva se dirige para a ribalta. Canhão de Luz clara incide sobre a viúva enquanto os demais personagens permanecem juntos ao falecido.
Viúva fala ao público: - O infeliz ali é o meus marido... quer dizer, foi! E foi tarde... acham que eu o amava? No inicio talvez, era jovem, charmoso, elegante... trazia-me flores no meu aniversário... íamos jantar em restaurantes granfinos... dançávamos... um dia... nem me lembro quando... ali estava ele, velho... decrépto... ausente... (assumindo um tom mais agressivo, bate com a palma da mão sobre as nádegas) ...tenho até calo na bunda... quando íamos pra cama era bunda com bunda... e roncava... Deus, como o miserável roncava... (abrindo a bolsa para retirar um frasco de comprimidos) ...mas roncava tanto, que pra dormir eu me entupia de calmantes... (joga os comprimidos fora) ...mas agora... agora estou livre do ronco... livre dessa joça de calmante... acabou! Agora acabou essa minha solidão a dois... que Deus o tenha, esse desgraçado!
Ao terminar a fala imediatamente as luzes voltam ao normal e a viúva se mistura aos filhos que nesse momento prosseguem com as lamentações.
Enfermeira:- (entra e se dirige ao pé do ouvido da viúva- fala alguma coisa inaudível para os demais – sai).
Viúva: - Vamos meus filhos... é preciso sair, eles vão preparar o papai para pôr no caixão.
Todos saem consternados. A luz torna-se monocromática. O Homem-relógio entra. Observa o cadáver contornando a maca, depois vai ao relógio, pára e o observa por alguns segundos, acrescenta mais cinco minutos e sai. A luz se apaga totalmente. É o fim do prólogo. Quando retornar para o primeiro ato, o relógio deverá estar cerca de meia hora adiantado em relação a hora em que terminou o prólogo.
PRIMEIRO ATO
A luz volta ao normal. O cadáver está na maca coberto com um lençol. O pênis visivelmente ereto pode ser facilmente visto. (O ator que fará o papel de morto, está deitado atrás do boneco, vestindo um camisolão branco, com o rosto, mãos e pés pintados de branco). Levanta-se, estica os braços como que se estivesse acordando naquele momento. Olha para o boneco, levanta o lençol do rosto do boneco e se assusta com o que vê. Não pode acreditar que seja ele olhando para o seu próprio cadáver. Desce da maca, levanta o lençol para ver o pênis e faz um gesto de felicidade, mostrando com o punho cerrado e o braço rígido o membro ereto. Isso o deixa contente, com ar de satisfação. Quando ouve-se as vozes da equipe de papa-defuntos se aproximando. Ator vai para um lado do palco e aguarda. Entra a equipe de papa-defuntos. O chefe vestido de preto. O sanguessuga, encarregado de drenar o cadáver com seu equipamento. A maquiadora, encarregada de dar um ar menos cadavérico ao cadáver com a sua maleta de maquiagem.
Maquiadora: (faz um estudo prévio de como irá trabalhar e em seguida passa a fazer o seu trabalho).
Sanguessuga: Instala seu equipamento de drenar e começa a drenar o sangue do cadáver.
Chefe da Equipe: (ao celular): - Cláudio... o cara parece que deixou a família com boa grana... não tenha dó... mete a faca nesses miseráveis... comece oferecendo aquela droga de urna que está encalhada desde o ano passado... isso... aquela xiquetosa, toda ornamentada...
Se endurecerem diz que fará um decontinho... cinco, dez... no máximo dez por cento...! A viúva é mais difícil... eu conheço a velha... aquilo lá só falta comer na janta a merda que sai do almoço... os filhos... concentre-se nos filhos... convença os filhos que eles se encarregam de dobrar a mãe...! Estão chegando? Ótimo... faça aquela cara de compaixão... fale pouco... e... tome a grana dos otários.
Chefe: - (se aproxima do cadáver, examina e fala para a maquiadora) Filha? O que é isso! Esse cara ta com cara de morto... vamos, põem mais cor neste rosto... ele tem de ficar assim (faz cara de riso disfarçado)... feliz... como se a morte fosse algo bom...
Chefe: (Dirigindo-se ao Sanguessuga) - É melhor colar as pálpebras... não há nada mais horrível do que um “presuntão” com os olhos abertos... (Voltando-se para a maquiadora) - Ah! Agora sim... ficou bem melhor. (Olha para o pênis do defunto como se o tivesse visto naquele momento) – Mas o que é isto? (aponta para o pênis).
Sangue Suga – Sei lá! Isso só acontece com quem morre enforcado.
Maquiadora: - O cara devia ser mesmo um tarado, até depois de morto...
Chefe: - Priapismo!
Sangue Suga: - Como?
Chefe: - Priapismo! É quando o sangue enche os vasos cavernosos do pênis... aí fica assim... com o pinto duro...
Morto: (que até então só observava) – Nem eu sei como isso aconteceu. Ó, fazia tempo que não... (repete o gesto de ereção com o braço erguido e o punho fechado).
Sangue Suga: - O que vamos fazer? Não dá pra deixar o cara desse jeito no caixão...
Chefe: - Ora, corta essa joça!
Morto:¬ (enquanto o sanguessuga, com um enorme canivete, corta o pênis, o morto faz gesto de que está sentido em si mesmo - fala ao público) – Desgraçado... olha só o que esse desgraçado fez...
Sangue Suga: – Aqui está o danado (mostra o pênis decepado, em seguida o joga no balde vazio).
Maquiadora: - (prontamente recolhe o pênis) – O que é isso? Não se pode jogar assim uma preciosidade dessas... (acaricia o pênis com sensualidade)
Chefe: - Ta excitada? Pode usar, mas depois coloca tudo no caixão... tudo o que é morto deve ser enterrado... (sarcasmo) com o morto naturalmente.
Sanguessuga: - Se quiser tenho algo bem melhor!
Maquiadora: (Joga solenemente o pênis sobre o finado enquanto fala apontando para a região pubiana do sanguessuga) – Isso aí? Isso aí nem conta... (faz gesto mostrando o quanto é pequeno) – Olha só!
Chefe: - Convenhamos, o cara era um jumento... (faz gesto mostrando o quanto é grande) – Confesso que fico com inveja!
Sanguessuga: - Pode ser grande, mas ta morto... o meu pelo menos... (dá uma dançadinha e sorri sarcasticamente como que concluindo para dizer: “ta vivo”)
Morto: (enquanto sanguessuga dança, fala para o publico) - Olha quem fala... Seu apelido na escola era cenourinha... Daquelas que se usa para fazer picles! Bem pequenininha...
As luzes começam a ser apagadas é o fim do primeiro ato. A equipe de Papasdefunto deixa o palco. O homem-relógio entra para mudar as horas. Escuro total. Enquanto as luzes se apagam o relógio deverá ser adiantado cerca de meia hora. Quando as luzes voltarem, o cadáver (boneco) deverá estar posto numa urna funerária (pode-se usar uma urna completa sem o fundo para encaixar sobre o boneco. O personagem do morto deverá estar sentado em uma das cadeiras ao lado do caixão). A família, do morto, já deverá estar em cena ao lado do caixão e a viúva sentada em uma cadeira do lado oposto. Para melhor ilustrar a cena, deve-se ouvir choro e soluços segundos antes das luzes acenderem.
SEGUNDO ATO
Família do morto: (Há desespero e dor. A viúva está debruçada sobre o caixão. A filha se aproxima para retira-la quando então a viúva se dá conta do pênis que a enfermeira esqueceu sobre o morto, apanha, olha rapidamente e, com expressão de nojo, joga-o no chão). – Ai! Que nojento...
Filha do morto: (Acode imediatamente a recolher o membro) – Será que é do papai?
Viúva: - Duro assim? Duvido! (estalando os dedos) -O dele já estava morto muito antes dele morrer.
A outra filha: (que acaba de examinar o cadáver na região pubiana) – É o dele sim... alguém quis sacanear o papai!
Filho: (num gesto de dor com as mãos sobre a própria região pubiana) – Aaarggh!
Entra o primeiro casal. Mulher de beleza estonteante, marido magro e submisso.Todos se recompõem. A filha procura esconder o membro do pai. A mulher se dirige ‘a viúva para cumprimenta-la. O homem olha de relance para o morto e logo cumprimenta a viúva. Segue estendendo os cumprimentos aos filhos.
Morto: (para o publico) – Essa aí é uma galinha. Bota um chifre danado no marido, agora t´ aí tal e qual Madalena arrependida. E o marido? O marido não fala nada porque tem rabo preso... Não dá pra saber qual dos dois é pior...Ele um corno manso, ela (com sotaque italiano) “una piu bela putana”...
Filha: (apressa-se, sorrateira, em recolocar o pênis em uma da laterais do caixão).
Mulher: (ao aproximar-se do caixão, após enxugar as lágrimas e observar por um instante consternada, encontra o pênis, rapidamente, apanha, observa-o e deixa cair de volta ao caixão enquanto cambaleia para desmaiar) - Aaaaaaai!
O marido: (Que nada percebeu acerca do pênis, apressa-se em ampara-la antes que caia)
Mulher: (desmaia)
Marido: - Florisbela, OH! Florisbela... querida... Oh! Ela é tão sensível...
Filha (apressa-se em colocar-se entre o caixão e o casal, para definitivamente esconder o pênis enquanto o morto fala ao publico).
Morto: - Sensível? A vadia vive pegando o de todo mundo...(assumindo um ar de sarcasmo) - é que, a vadia aí, só agora descobriu o que perdeu...
Filha: (Dirigindo-se a irmã fala ao “ pé do ouvido”) – Mamãe sempre achou que a sirigaita aí fosse amante do papai... você viu?... quando ela viu o ... você sabe... (faz um gesto mostrando o quanto é grande) do papai... teve um ataque!
Irmã: -Você acha que ela e o papai...?
Filha: - Eu não acho nada, tenho é certeza!
Morto: (Dirigindo-se ‘as filhas) - Filhas? Vocês não estão pensando que eu, e essa... Saibam que eu sempre respeitei a sua mãe... Ta certo... mas só em pensamento...
Filha: - Você se lembra quando o papai trazia flores pra mamãe?
Irmã: - Lembro. Mas o que tem isso?
Filha: - O que tem isso? Ora, minha irmã... os homens quando agradam demais as esposas é porque têm culpa no cartório... (dirigindo-se ao publico) – olha pra eles... (pergunta aos homens da prateia) – não é mesmo? Quando vocês traem suas mulheres, vocês não ficam mais amorosos? Mais cavalheiro? (virando-se para a irmã) - é sentimento de culpa, minha irmã...
Irmã: - Não é bom ficarmos de papo... vamos ajudar a madame... (seguem para auxiliar a dona Mirtes que já se recobra do desmaio, uma das filhas apanha a cadeira em que o morto estivera sentado e oferece para a mulher).
Morto: (para o publico) – É como dizem, o periquito come o milho e o papagaio cai do galho... o único que ainda não transou com a sirigaita aí, fui eu... não! O marido fiel aqui nunca mijou fora do pinico... sexo depois do casamento... só uma vez por mês e olha lá...
*(vide opções)
Entra o advogado.
Morto: - Ah! Aí vem o Dr, Marcos... Quero ver a cara dele quando souber que fiz doação em vida... Ah! Ah! Esse aí é desses advogados que só freqüenta velório pra distribuir cartão...
O advogado: (Advogado à viúva) – A senhora me desculpe... mal soube da triste noticia, deixei tudo para vir dar adeus ao seu marido... um homem muito bom... meus pêsames! (abraça a viúva).
Morto: - Homem bom? Esse cara nunca olhou pra minha cara... um crápula... (aproximando-se da viúva e do advogado) – No mínimo ta pensando em tirar uma casquinha na minha mulher... laaarga hoo!
(É bom lembrar que o morto não pode ser visto nem ouvido)
Advogado: (Afastando-se da viúva, retira um cartão do bolso e lhe entrega dizendo) – Se precisar de mim, saiba que será um prazer enorme poder fazer alguma coisa... em memória do... (pausa porque não se lembra do nome e conclui) do, FALECIDO!
Morto: - Desgraçado! Viram só, nem sabe o meu nome... Que mente brilhante... leu o meu nome lá na plaqueta da funerária e já esqueceu... (lhe chama a atenção mais um personagem que entra – é o político) ...e essa agora...? (caminha até a borda do palco em direção ao público)
Entra o político.
Político: (Dirige-se a viúva enquanto o advogado se afasta para cumprimentar as filhas e distribuir cartões).- Que grande perda! Não me conformo... logo agora que seu marido me prometeu seu apoio... Minha senhora, saiba que seu marido representava mais que um amigo para mim...
Morto: (falando com desdém) - Mais que um amigo... (com raiva) ...representava dinheiro pra sua campanha, safado...
Político: - ...seu falecido marido foi um exemplo de homem a ser seguido... honesto e incorruptível...
Morto: - (dirigindo-se ao político) Bem ao contrário de você... desonesto e corrupto! (Dirigindo-se ao público) Mente e ainda acredita na própria mentira! (apontando para o político) Isso ai é um mal exemplo para a juventude...
Filha: (nesse momento se aproxima da mãe para interromper a conversa com o político – fala alguma coisa no ouvido da mãe. Saem de cena. O político, ignorando o finado, aproxima-se do primeiro casal, abraçados em um canto, e os cumprimenta iniciando uma conversa em off, apenas por meio de gestos).
Serviçal: (Enquanto saem a viúva e a filha, entra trazendo uma bandeja com uma garrafa de café e bolachas).
Advogado: (Intercepta a serviçal para comer algumas bolachas e colocar outras no bolso).
Morto: - É bom que encha a “pandurra de bolachas”, porque daqui é a única coisa que vai levar... Miserável, morto de fome...
Advogado: (em seguida, após fazer uma gracinha para com a serviçal, vai até o casal que conversa com o político, e logo distribui os seus cartões).
Serviçal: (Aproxima-se da filha que está do lado do caixão e lhe oferece café. A filha recusa com um gesto. A serviçal sai, entra a viúva, a outra filha e o padre. Quando vêem o padre, todos se voltam para ele com certo respeito).
Viúva: - Padre, que bom que veio... como o senhor sabe, meu marido não era lá muito de igreja, mas sempre foi um devoto fiel... o senhor lembra como ele foi generoso quando da reforma da igreja.... é claro que , pro traz, ele teve o meu incentivo...
Padre: (O padre sorri e gesticulada encabulado. Aproxima-se do caixão e faz o sinal da cruz a maneira dos padres – sobre o cadáver – os presentes repetem o sinal – para dentro, à maneira usual. O político se perde por não estar atento e não saber como se faz o sinal da cruz)
Morto: (dirigindo-se para o publico) - Só me faltava essa, eu... que nunca fui a uma missa - exceto quando casei (em tonalidade jocosa) - recebendo a visita de um padre?
Bichinha: (Entra toda tresloucada) - Gente! Ai! To perdendo alguma coisa? Ai, nossa... será que entrei em velório errado? Alguém pode me esclarecer... aqui é o velório do... do... Ai! Meu Santo Onofre...
Morto: (para o público) – NÃO É O QUE VOCÊS ESTÃO PENSANDO!
Bichinha: - ... do pai do Samir!
Morto: - Samir? Meu filho? (dirige-se para os presentes que não podem vê-lo nem ouvi-lo) - Alguém pode me dizer o que significa isso tudo...?
Irmã: - Samir! Samirsinhooo! (que pouco antes da bichinha entrar saiu de cena – irmã assumindo um tão de voz mais autoritário) – Samir, Alguém quer vê-lo!
Filho: (entra e logo é reconhecido pela bichinha que vai ao seu encontro – o morto nada fala mas se contorce de indignação – todos aparentemente estão indignados e surpresos, olhares atônitos e sorrisos disfarçados – o padre permanece passivo. Samir está arredio, mas timidamente sorri e recebe a bichinha que o abraça).
Morto: - Eu sabia... culpa minha é que não foi...!
Bichinha: - Samir meu amor... que desgraça! (abraça)
Morto: - desgraça digo eu... preferia ter duas filhas putas do que um filho guei!
Nesse momento entra a vidente. Cumprimenta a viúva, pede benção ao padre, e cumprimenta aos demais com um aceno de cabeça. Dirige-se ao morto e fica ao seu lado.
Morto: - Meu filho... meu único filho... (dirigindo a palavra a viúva) – A culpa é sua... mimou demais o menino... agora ta aí... todo enviadado!
Vidente: (ao morto) - Acalme-se meu amigo... ter um filho guei não é o fim do mundo... (olhando para o público e num gesto de esticar o braço para cobrir toda a platéia) – Aqui deve ter uma porção de gueis... a maioria está enrustida... Acha que prá todos eles a mãe é a culpada... é nada... nasceram assim... como diziam os romanos:o corpo é de homem, mas a mente é de mulher... pelo menos o teu filho tem a coragem de assumir isso publicamente...
Morto: - Você só diz isso porque não é o seu filho... é o meu filho! (pára indignado) –Ei, você falou comigo! Eu estou morto... não estou?
Vidente: - Está! Mortinho da silva...
Morto: - Quer dizer que eu sou um espírito?
Vidente: - Pelo menos é assim que eu entendo!
Morto: - Bobagem! Nunca acreditei em espíritos...
Vidente: - Que importa se você acredita ou não... as coisas não mudam só porque você é um incrédulo.
Morto: - Incrédulo eu? Não, minha cara, não sou incrédulo... nunca acreditei na autoridade das igrejas,principalmente naquelas que pedem dinheiro, mas respeito e acredito em Deus... no meu Deus! Meu Deus, é grande... grande não, é imensurável... não dá prá definir... é espiritual, é divino...
Vidente: - Você disse espiritual? Então acredita que Deus, é um Espírito?
Morto: - Ah! Sim... Deus é um Espírito... mas acontece...
Vidente: - Não acontece nada... se Deus, como você mesmo afirma, é um espírito, então o espírito existe... e ponto.
Enquanto isso, Samir e a bichinha vão ao encontro de uma outra pessoa, um rapaz bem afeiçoado que acaba de entrar.
Bichinha: - Samir, meu querido! Quero apresentar o meu novo namorado... não é uma graça?
Irmã (dirigindo-se à outra irmã) – É o que eu falo... os melhores partidos... ou estão casados ou são gueis...
Vidente: - Viu só... fique tranqüilo, seu filho não é guei...eu diria, simpatizante!
Morto: - É... mas é simpatizante...prá mim é a mesma coisa! (falando para si mesmo) - Ora essa que simpatizante não é guei!
Vidente: - Simpatizante é simpatizante. Ele só não discrimina quem é diferente... aceita cada um como é... Você é igualsinho a essa gente, viu só a cara dos caras quando a... a bichinha entrou... (fazendo trejeitos e imitando alguns) “ta vendo só, eu sempre desconfiei que Samir era meio estranho..”. (mais trejeitos) “Bem que eu desconfiava..”. “...por isso eu nunca deixei meu filho se envolver muito com esse menino...”
Morto: - Eu não ouvi ninguém falando assim...
Vidente: - Como “assim” ?
Morto: (Imitando os trejeitos da vidente) “– Bem que eu desconfiava” , “ – nunca deixei meu filho...”
Vidente: - (interrompe o morto) Você não ouviu, mas eu ouvi... esqueceu-se que sou vidente... posso ler as mentes desse povo todo! Até o padre deu um sorrisinho meio maroto... (ouve-se o “rosnar” de garganta do padre – a vidente enrosca seu braço no braço do morto que olha surpreso, depois afaga-lhe a mão enquanto fala ao morto) - Agora fique em silêncio que o padre vai falar.
O padre: - Caríssimos irmãos... “em nome de patre, et filio et espiricto sancto..”. hoje, nosso irmão passou para a eternidade ao lado de nosso Pai, por isso rogamos: Senhor, acolhei nosso irmão... não olheis para os seus pecados... mas para tudo de bom que ele fez...
Morto: (retrucando – imita o padre) – “ Senhor não olheis para os pecados...” (recompondo-se e falando com ênfase ao publico) – Ora essa! Como não olhar para os meus pecados... as melhores coisas da minha vida foram os pecados que cometi...Se pudesse voltar a vida pecaria tudo de novo!... tudo não, pecaria muito mais...
Vidente: (dedo sobre os lábios pedindo silêncio) - Shiiii!
Morto: - Shiiii! Coisa nenhuma… vou lá acabar com essa palhaçada. Não preciso de ninguém entre mim e Deus... deixa que eu me entendo com Ele...
Morto fica ao lado do padre.
Padre: - Irmãos e irmãs, vamos rezar pelo nosso amado irmão que se foi...
Morto: -Isso rezem irmãos! Prá mim isso não significa nada, mas prá vocês... quem sabe isso os deixará com a consciência mais tranqüila... cambada de hipócritas...
Nisso irrompe pelo velório o corretor de seguro de pasta na mão – está desesperado.
Corretor: - Filho da puta, desgraçado, tinha que morrer... (joga-se sobre o caixão e esmurra o finado. Algumas pessoas o retiram e ele se joga de joelhos aos berros) Esse desgraçado não podia morrer...
Morto (que nesse momento volta para a frente do palco) – Não é o que vocês estão pensando... eu não sou guei! Esse desgraçado aí é o meu corretor de seguros...
Corretor: - Padre, me perdoe... me perdoe padre...
Padre: (tenta acalmar o corretor) -Acalme-se meu filho... a dor de um falecimento é grande... mas passa filho... acredite!
Corretor:- Que dor que nada padre... esse desgraçado fez um seguro comigo antes de ontem e eu não repassei o prêmio para a seguradora... pelo contrário... precisei do dinheiro... pra vagabunda da minha ex-mulher... agora... como vou indenizar o valor segurado da apólice pra viúva?
Viúva: (Que tudo ouve indignada) – Quer dizer que meu marido fez um seguro e você não repassou o dinheiro pra seguradora?
As filhas, indignadas, se aproximam enquanto o corretor responde
Corretor: - Sim, minha senhora... não há seguro... mas eu devolvo o dinheiro do prêmio... (rei]tira do bolso algumas notas de dinheiro amassadas e oferece à viúva)
Viúva: - (apanha o dinheiro e o joga fora – o advogado dissimulando coloca o pé sobre o dinheiro) - Mas é um cara de pau... você me paga seu desgraçado...
A viúva e as filhas começam a socar o corretor, ele sai correndo e em seguida todos saem ao seu encalço, inclusive o padre. O advogado apanha o dinheiro e é o ultimo a sair. Ficam a vidente e o morto.
Padre: (enquanto sai com a trupe) – Calma meus filhos... calma... com calma tudo se resolve...
O morto pretende correr atrás do corretor junto com a trupe e é interceptado pela vidente. Enquanto o morto e a vidente conversam, entra o homem-relógio e acrescenta meia hora à hora marcada.
Vidente: - O que pensa que vai fazer?
Morto: - Eu sabia que não devia confiar nesse desgraçado... seu eu pudesse eu matava esse filho da puta...
Vidente: - Matava nada, você nem pode tocar nas coisas...
Morto: - Não posso?
Vidente: - Não!
Entram a viúva, as filhas e os demais. A viúva fala
Viúva: - Depois dessa, não adianta continuar com o velório... é melhor pra todo mundo que enterremos logo o defunto... quer dizer, o finado do meu marido.(viúva patê palma duas vezes, “ plá plá”)
Entra a equipe de papadefunto trazendo a tampa da urna funerária. Fecham o caixão. Alguns dos presentes carregam o caixão seguido pelos demais. O padre vai jogando “água benta” sobre o caixão. Ficam no palco a vidente e o morto.
O morto, aproxima-se de Florisbela (mulher do primeiro casal) e aproveita para passar a mão na bunda da mulher.
Morto: - Gostosa!
Vidente: -Que é isso? Que falta de respeito...
Morto: - Uai! Você não falou que eu não podia tocar as coisas... fui experimentar... sempre senti vontade de passar a mão naquela bunda!
Vidente: - Tarado. Não é atoa que morreu de pau duro.
Morto: - E agora o que vai acontecer?
Vidente: - Com você não sei, eu vou até o cemitério assistir ao seu enterro...
Entra o homem relógio, retira o relógio da parede e o entrega para o morto e vai saindo.
Morto: - Pra que isto? O que vou fazer com isto?
Homem-relógio: (Vira-se para o (alma) morto e, sem palavras, apenas com gesto expressa “eu é que sei?”).
Vidente: - É o seu tempo. O seu relógio. Está parado porque pra você o tempo não passa mais. Parou. Acabou.
(1) Vide observação.
Morto: - Quer dizer que para mim o tempo não existe mais!
Vidente: - É!
Morto: -Significa que tenho todo o tempo do mundo!!!.
Vidente: - Não sei se se pode dizer assim...
Morto: - Posso escrever as minhas memórias...
Vidente: - Faça isso! Se quiser posso psicografar para você!
Morto: - É isso! Vou aproveitar... já que tenho todo o tempo para escrever... escreverei as minhas memórias...
Vidente: (entrega um cartão ao morto) - Aqui está o meu endereço... se precisar passa por lá... toda quarta-feira a partir das vinte horas...
Morto: - só preciso de um título...
Vidente: - Que tal (pensa um segundo e faz um gesto, com as mãos para mostrar, como o titulo ficará estampado magistralmente em néon ao mesmo tempo em que fala em tom afirmativo) “MEMORIAS DE UM MORTO!”.
Vidente sai, Morto sorri, as luzes se pagam.
FIM
Observação:
*Como a comédia toda se passa em um velório, a imagem de fundo (caixão, velas, flores) pode se tornar cansativa. Um caixão de defunto não é nada engraçado mesmo quando o fúnebre e cômico se misturam . Assim, nesse momento, podem entrar os “papa-defuntos” para levar o corpo que começa a vazar, retornando no final, quando todos já saíram e só resta em cena a alma do morto e a vidente. Se o palco for profundo é possível que se coloque um pano leve e semi transparente separando o caixão dos atores em cena. Com iluminação adequada pode-se criar a idéia de desfoque da imagem de fundo.
(1) Ao retornar com a tampa do caixão, os papa-defuntos ficam espantados com a ausência de todos.
1.º Papa-defuntos: - Ué! Onde foi parar todo mundo?
2.º Papa-defuntos: - Eu é que sei... vai ver que foram prá outro velório... de gente mais importante!
Enquanto os papadefuntos colocam a tampa no caixão entram os atores para receber os cumprimentos da platéia (ou ovos podres - de fato não importa desde que sejam ovacionados) O tema permite que novos personagens sejam introduzidos, desde que não interfiram no rítimo do espetáculo. O objetivo é dar oportunidade a um grande numero de participantes com cenas e falas curtas para a maioria das personagens. A iluminação não requer grande habilidade já que não há troca de iluminação, exceto pela passagem de tempo que, em certas ocasiões, pode ser suprimida sem que o espetáculo perca seu rítimo.