Autor: EREDIA, Antonio Emilio Darmaso Tupã-SP, 19 de Dezembro de 2011 - Publicado as 22hs 3 22min. Foto: tirada pelo autor da bica de água referida neste conto.
Este fato ocorreu nos idos de noventa e cinco, e vale a pena ser relembrado aos incrédulos que não acreditam em Papai Noel, e para aqueles que ignoram a magia do Natal ou pensam que a data é só mais uma desculpa pra relaxar comer e beber.
Nascido em uma família humilde, nunca recebeu um presente de natal. Hoje na casa dos oitenta anos de idade, ostenta marcas profundas no rosto, cabelos brancos e barba branca, e nas mãos as manchas senis que ele tanto odiava.
Orgulho mesmo expressava aquela tez circunflexa, somente quando falava de sua saúde. Dizia, com um sorriso que abastecia todo o rosto de lado a lado, o quanto era grato por ter chegado aos oitenta e dois anos sem precisar de médico ou remédio.
Nos bailes da melhor idade era o dançarino preferido pelas mulheres e nunca ficava uma seleção de musicas parado.
Mas foi na véspera do Natal do ano de 1995 que tudo desandou. Na noite anterior foi a uma festa e não festou, voltou pra casa tomou um banho, mas a dor de cabeça não passava. De madrugada, por insistência da filha, foi levado ao hospital e lá teve que ficar internado devido a pressão muito alta.
Sua maior preocupação foi não poder tomar o vinho que tanto adorava e comer da leitoa assada de que tanto gostava.
O médico que o atendeu pediu que ficasse até depois da noite de Natal, monitorando a pressão arterial que, por algum motivo a ser investigado, permanecia instável apesar de todo medicamento.
Mas o que ele menos queria era estragar a ceia da família, uma tradição que já os acompanhava desde os seus tataravós, então ele foi incisivo e mandou que todos saíssem do quarto alegando que estava cansado e precisava de repouso. Queriam que todos fossem pra casa festar, comer e beber. Dizia estar bem e não queria ninguém por perto.
Todos saíram, uns felizes e outros a contragosto. - Velho ranzinza – disse o filho mais velho. - Tomara que não morra antes do ano novo para não estragar a festa, disse a mulher do filho do meio. - Creio que está gagá devido a algum derrame que o médico não quer falar para não nos deixar preocupados, disse um dos cunhados. O velho apenas fingiu que não ouviu e sorriu.
Um dos netos chegou para o velho e lhe disse quase sussurrando: - Vovô, será que o Papai Noel virá aqui para lhe trazer o seu presente?
O velho que não acreditava em Papai Noel, passou a mão pela cabeça do neto afagando os seus cabelos e respondeu: - Creio que não. Se aparecer com certeza me trará um par de chinelos ou um pijama amarelo com listras azuis!
A mãe do garoto veio busca-lo e todos foram embora.
Era quase meia noite do dia vinte e quatro de dezembro. O sino da catedral começou tocar as vinte e quatro badaladas quando uma luz azulada, brilhando intensamente, iluminou o quarto.
O velho acordou com a silhueta de um homem entrando pela porta, pensou que fosse o médico, mas não. Era um homem com altura aproximada de um metro e oitenta, barba e cabelos brancos, aparentando ter uns oitenta anos de idade, visível pelas marcas da vida estampada no rosto em vincos profundos e nas mãos, a abomináveis as manchas da senilidade. Sentou-se na beirada da cama.
Os dois velhos se entreolharam como se fosse há tempos, conhecidos, então o que estava acamado falou: - O senhor está como eu, sozinho neste hospital, mas ainda está melhor porque pode andar enquanto eu tenho de ficar aqui com todos esses tubos pelo corpo!- Depois olhando por um instante bem fundo em seus olhos perguntou: - Como é o seu nome?
- Meu nome é Cristiano, mas todos insistem em me chamar de Papai Noel!
Ambos riram.
- Às vezes as crianças também me chamam de Papai Noel quando se aproxima o Natal, isso se deve aos nossos cabelos e barba. Nós dois temos cabelo e barba branca como as do Bom Velhinho!
- Mas eu sou, de fato, o Papai Noel. Não estou internado neste hospital e só passei aqui porque quero lhe dar um presente!
- Gostei da piada. Quisera eu acreditar em Papai Noel como o meu neto!
- Pois é!... Ainda hoje vou levar um tabuleiro de xadrez, feito com madeira reciclada da floresta amazônica, para o seu neto, mas antes passei por aqui porque quero lhe dar o seu presente!
Então o velho que dizia ser Papai Noel, pediu para o velho que não acreditava em Papai Noel fechar os olhos, abrindo-os somente depois de contar até três. O velho então para aderir à brincadeira, fechou os olhos e contou até três. Quando os abriu, viu que não estava mais preso aos tubos, nem à cama, nem no quarto do hospital.
Assim que seus olhos se acostumaram com a claridade, viu diante de si uma casa velha, já carcomida pelo tempo e caindo aos pedaços. Em poucos segundos reconheceu como sendo a casa onde passou a maior parte da sua infância.
Logo tudo a sua volta começou a se refazer em cores, lindas flores nasciam onde era o jardim e tudo ali, como num toque de mágica, ganhou vida. Ouviu uma voz e a reconheceu como sendo sua mãe ralhando com seus irmãos, inclusive por várias vezes falou o nome de um que há algum tempo havia falecido.
Seus irmãos passaram correndo por ele, como se não houvesse ninguém, mas o que já havia falecido e o ultimo a sair da casa, quando o viu parou, olhou para ele e perguntou: - Você quer brincar?
Foi quando o velho olhou para si e se deu conta de que ele também era uma criança, e os dois saíram correndo e foram se juntar aos outros em hilariantes brincadeiras.
Foi um dia inesquecível. Na hora do almoço comeram carne de porco com feijão cozido no fogão a lenha, queijo frito e pão caseiro assado no forno caipira.
À tardinha, todos sujos e cobertos de terra dos pés à cabeça, tomaram banho frio na bica de água que corria perto de casa e foram dormir num quarto apertadinho onde só havia uma cama de casal. O velho lembrou-se das noites em que todos dormiam agarrados uns aos outros com medo de lobisomem.
E dormiu em meio aos irmãos e quando acordou estava no leito do hospital, sem os tubos que o prendia. Lembrou-se de tudo, inclusive do velho Cristiano que dizia ser Papai Noel, e pensou que tudo aquilo não passou de um sonho. Admitiu, no entanto que foi um sonho bom. Mais feliz não podia estar.
Vendo o enfermeiro no quarto o velho perguntou surpreso:
- Por acaso eu cai da cama?
- Com certeza não! - respondeu o enfermeiro.
- É que minha roupa está toda suja de terra.
- Eu mesmo estive várias vezes aqui e o senhor estava dormindo tranquilamente. Posso pedir para que troquem a sua roupa!
Pensou o velho – “O fato de ter voltado à sua infância podia ser apenas um sonho, mas como explicar as roupas sujas de terra”?
Dia vinte e cinco de dezembro, o sol entrando pela janela, dia já claro e quente como em todo Natal.
Irromperam quarto adentro seus entes queridos, uns felizes outros nem tanto, mas todos falantes, seguidos do médico que veio para lhe dar alta.
Em meio a turba de tagarelas chega o neto trazendo uma caixa nas mãos e, todo radiante, diz ao avô:
- Vovô, veja o que Papai Noel trouxe para mim, um tabuleiro de xadrez com peças feitas de madeira reciclada da Amazônia!
Vendo o tabuleiro e as pedras nas mãos do neto, o velho lembrou-se de que Cristiano falou que era esse o presente que daria ao seu neto, fechou os olhos, sorriu e disse em pensamento – Obrigado Papai Noel!
As noites de Natal são assim, mágicas. Não importa a cara, o nome ou quem seja o bom velhinho. É a magia do amor que conta, e o amor faz acontecer coisas inexplicáveis, como aconteceu para o velho que não acreditava em Papai Noel.