Houve um tempo em que crianças acreditavam em Papai Noel e o Natal era mágico, mas esse tempo passou para a maioria das crianças.
Prólogo:
Para nós, que crescemos tendo como base religiosa o cristianismo, o Natal tem um significado importante. “Vinte e Cinco de Dezembro” foi o dia em que os cristãos escolheram para comemorar o nascimento do Menino Jesus, o Salvador, através de quem Deus, o Senhor de todos os tempos e de todas as coisas, se fez homem e viveu entre nós. Depois de morto Jesus ressuscitou dando prova definitiva de que a alma transcende a matéria e a vida não é só um momento passageiro, mas uma manifestação terrena e temporária da alma que é eterna. O dia vinte e cinco de dezembro, longe de ser lembrado como sendo o dia do nascimento de Jesus, o Cristo, que veio para redimir os nossos pecados, mostrar o caminho da paz universal e a vitoria da vida sobre a morte, o Natal está mais relacionado a dar e receber presentes. É um costume antigo, provavelmente originado no fato de que três magos do oriente, vieram encontrar o Menino Jesus, trazendo-Lhe presentes. Quando Jesus Nasceu, os "três reis magos” Belchior, Baltazar e Gaspar, guiados por uma estrela, chegaram a cidade de Jerusalém e foram ao encontro do menino Deus, filho de Maria e José, para presenteá-lo com Mirra, Ouro e Incenso, daí para cá, em alusão a esse gesto singelo, mas significativo, surgiu o costume de dar presentes às crianças, no Natal. Quanto ao Papai Noel, não se sabe ao certo quando e como apareceu no imaginário popuilar. Há quem diga que foi um Padre chamado Nicolau que difundiu a prática de presentear as crianças na noite de Natal. Fala-se também que Papai Noel surgiu nos países escandinavos, quando um velhinho aparecia nas noites de Natal trazendo presentes às crianças de bom comportamento. Há até quem diga que tudo não passa de invenção de comerciantes astutos para vender brinquedos. Se Papai Noel existe ou se existiu em alguma época pretérita, ninguém sabe. Hoje as crianças sabem que quem dá os presentes são os próprios pais, parentes ou amigos. Mas, para Amendoim, um indiozinho Caingangues, Papai Noel pode ser mais que uma lenda.
NATAL NA TRIBO Houve um tempo e não faz tanto tempo assim, num final de ano como outro qualquer, Juca, o filho de um diretor da FUNAI e Amendoim, um indiozinho Caingangue, voltavam da Escola depois dos exames finais. No caminho, entre uma brincadeira e outra, Juca comentou com o amigo índio sobre o Natal. Amendoim nada sabia sobre o dia vinte e cinco de dezembro, afinal na sua tribo o Natal ainda não tinha alcançara o mesmo significado que para os cristãos. Juca lhe contou que havia pedido, de presente, ao Papai Noel uma bicicleta de dez marchas. Os olhos de Amendoim brilharam (aliás o apelido de amendoim vinha justamente por causa de seus grandes olhos cor de mel). Os pensamentos de Amendoim o levaram a passear de bicicleta pelos campos verdejantes ao redor da taba onde morava. O que mais gostaria de ganhar era uma bicicleta. O sonho de sua vida e indagou do amigo, se Papai Noel não poderia lhe dar uma bicicleta também. Juca, que nunca acreditou realmente em Papai Noel, foi logo falando que Papai Noel não existe, para demover o amigo daquelas idéias, pois sabia, jamais, o cacique pai de Amendoim, lhe daria uma. Concluiu dizendo que, na verdade, quem ia lhe dar o presente era seu próprio pai. Amendoim ficou muito chateado. Se Papai Noel existisse, certamente lhe traria uma bicicleta, mas seu pai, embora Cacique da tribo, nunca poderia lhe comprar uma. Juca percebeu a tristeza do amigo e foi ter com seu pai, pedindo-lhe para que comprasse outra, não precisava ser de dez marchas, para dar de presente ao amigo Amendoim. Seu pai, no entanto, disse que compraria não fosse as dificuldades devida a estar gastando muito com o tratamento da mulher. No dia seguinte, o pai de Juca, com o coração compadecido com o pedido do filho, foi até a cidade e comprou para Amendoim um pequeno presente. Comprou-lhe uma faca de caça. Para um índio, pensou ele, nada melhor que uma bela faca de caça. À tarde à véspera do Natal, a pedido do Pai, Juca foi convidar o amigo para passar a noite em sua casa e já lhe adiantou que ganharia um presente, mas que seria uma surpresa. Estavam todos à mesa comendo coisas deliciosas quando o relógio da parede bateu a primeira badalada das doze que viria, Juca foi o primeiro a se levantar e correr para junto da árvore de Natal. Amendoim olhou para a mãe e para o pai de Juca e só se levantou porque lhe disseram para ir buscar seu presente com o amigo. Amendoim correu para perto da árvore e visivelmente curioso esfregava as mãos e dando pulos de aflição, enquanto procurava seu nome escrito nas caixas maiores. Ao ver que seu nome estava em uma das menores caixas Amendoim ficou meio frustrado. Certamente uma bicicleta não estaria em uma caixa tão pequena. O pai de Juca se levantou e, conforme era o costume da família, solenemente distribuiu os presentes Primeiramente entregou uma caixa para Marta sua esposa, com um lindo colar, depois um enorme pacote para Juca, com a sonhada bicicleta. Marta se levantou e pediu licença ao marido, dizendo que ela iria entregar os presentes para ele e para Amendoim. Entregar ao Pai de Juca uma caixa com um pijama que certamente não causou a espera comoção e por derradeiro o presente de Amendoim. Ao abrir a caixa e ver que se tratava de uma faca de caça Amendoim sentiu-se frustrado. Realmente não queria ganhar uma faca. Aquilo era uma arma e ele não precisa andar armado, mesmo assim, em nome da boa educação, agradeceu, dizendo que estava muito feliz. Passava da meia noite e Amendoim foi embora. No caminha pensava consigo, que pena que Papai Noel não exista, porque se existisse saberia que seu maior deseja era uma bicicleta, não precisava que fosse como a do Juca, de dez marchas, mas nunca uma faca. Da casa onde Juca morava até sua oca, Amendoim teria de atravessar, sozinho, uma trilha no meio do mato, talvez pouco mais de um quilômetro. Amendoim estava já na metade do caminho, quando ouviu um barulho estranho, mais parecido com aqueles sinos que são colocados no pescoço das cabras, mas de suaves notas e em ritmo parecido com musicas de Natal. Quanto mais se aproximava mais intenso o barulho e menos parecido com os cincerros de uma cabra badalando em meio ao mato. Embora treinado pelo pai para não sentir medo, sua pele arrepiou. Pôs a mão na faca que, embora não fosse o presente ideal, naquele momento sentiu-se reconfortado e mais seguro por possui-la. Na tribo, Amendoim estava sendo preparado para ser o sucessor de seu pai, e o futuro Cacique não podia correr especialmente correr de medo. Empunhou a faca de caça e embrenhou-se no mato. Mal dera alguns passos deparou com algo estranho, muito estranho. Na verdade o que ele viu foi uma carroça vermelha, diferente, parecida com aquelas das figuras que chamavam de trenó do Papai Noel. A carroça sem rodas estava atrelada a seis "cavalos" com chifres enormes que mais pareciam galhos de arvore revestidos de veludo. Amendoim, que nunca havia visto algo parecido, ficou parado e seu coração gelou quando alguém se aproximou por traz e tocou-lhe no ombro. Virou-se rapidamente e deparou-se com um velho de barba branca e casaco vermelho brilhante. Por um instante contemplou aquela figura saída dos contos infantis e ficou estarrecido. Alguém teria se disfarçado de Papai Noel e certamente estaria ali para furtar as cabras da tribo. Destemido como todo grande guerreiro, empunhou sua faca de caça e foi logo avisando que, se pretendesse algo, deveria saber que ele estava armado. Mas o velho, nem se abalou. Olhou para Amendoim e tinha um olhar tão bondoso, que o indiozinho logo se sentiu constrangido de sua insensata e beligerante atitude. Abaixou a faca e pediu desculpas. Só aí o homem lhe falou. Disse-lhe ser Papai Noel, explicou que a carroça sem rodas era seu treno e os cavalos com chifres, que mais pareciam galhos encapados com veludo, eram as suas renas mágicas. Amendoim perguntou se as renas poderiam voar e como Papai Noel respondeu que sim, essa afirmação só fez aumentar suas dúvidas. Nenhum animal, exceto morcego, que não tivesse asas podia voar. Percebendo que Amendoim duvidava de suas palavras, Papai Noel, convidou-o para dar uma volta em seu trenó. No que ambos embarcaram, como que guiados por uma luz, lá se foi o treno subindo e subindo em direção a lua. Amendoim pode então ver do alto a floresta e as ocas em que sua tribo morava, pode ver a cachoeira onde tomava banho e o rio cheio de curvas, pode ver ao longe e já muito do alto, a cidade e a escola onde estudava. Mas o trenó voou mais e mais alto para além das nuvens e voava tão rápido como o pensamento. Amendoim foi com Papai Noel a muitos lugares que só tinha visto nos livros de estudo, pode ver de perto as pirâmides e a majestosa Esfinge do Egito, torre Eiffel e o Arco do Triunfo em Paris, o Coliseu de Roma na Itália, e a Estátua da liberdade em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Bastava que se lembrasse de um lugar visto em um livro ou revista e lá estavam como que num passe de mágica. Voltando para o Brasil, atravessaram sobre o canal do Panamá, e na Bahia, viram o relógio dos quinhentos anos recém inaugurado em Porto Seguro. Passaram bem perto da estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, e nesses e em tantos outros lugares entregaram presentes a milhares de crianças. Assim que o Papai Noel dava um presente, logo em seguida outro aparecia. De volta, as luzes da casa do amigo Juca estavam apagadas. Tudo na tribo estava silente, até o cachorro dormia no mesmo lugar. O tempo parecia ter parado, e de fato, o tempo parou para Papai Noel passar. Amendoim, transbordava de felicidade, não se importava se tudo aquilo tinha sido um sonho ou uma alucinação, abraçou e beijou o doce velhinho, dizendo-lhe que não podia acreditar que tudo aquilo fosse verdade, pois sempre lhe disseram que Papai Noel nunca existiu. Papai Noel o fitou por um instante e seus olhos se encheram de lágrimas. O trenó pousou suavemente no mesmo lugar de onde saíram. Papai Noel, enxugou as lágrimas e respondeu, que enquanto houver uma só criança que acreditasse nele ele existiria. E Papai Noel foi embora com o seu treno subindo ao céu e desaparecendo em uma nuvem de estrelas. Amendoim correu para sua Oca, estava feliz. Ao chegar, entrou em silêncio para não acordar seu pai, quando tropeçou em algo. Era um grande pacote. Curioso foi logo abrindo e para sua surpresa ali estava a bicicleta com que sempre sonhara. Hoje Amendoim e Juca estão na faculdade. Juca ainda acredita que quem deu aquela bicicleta para Amendoim foi o Cacique, seu pai. Quanto ao Cacique, até hoje acredita que quem a deu foi o pai de Juca. Amendoim sabe que foi o Papai Noel, mas quando diz isso aos colegas todos riem. O indiozinho sente muita pena de quem duvida do Papai Noel. Ele existe, existe sim, mas só para quem acredita nele e, no dia em que ninguém mais acreditar ele deixará de existir. Aí, nesse dia, o Natal na Tribo, será só uma história de Natal.
FIM.
Notas esplicativas: 1- Os numeros entre parenteses servem para facilitar a leitura. São como paginas, desse modo ao ler umtrecho voce poderá se situar no trecho seguinte esguindo a numeração. 2- Muitos erros foram cometidos durante a digitação mas serão corrigidos durante as revisões. 3- O conto original manuscrito no ano de 2003 foi perdido antes de ser publicado. A versão acima saiu no ano seguinte no Jornal O Diário.